OCA – Organização Cooperativa de Agoecologia

No dia 3 de agosto é comemorado no Brasil o dia do capoeirista. A data foi instituída em 1985 com a criação da Lei nº 4.649 no estado de São Paulo, que após publicada, entraria em vigor a partir daquele dia. Mas até que chegasse a ganhar uma data em sua comemoração, a capoeira e seus milhões de adeptos passaram por uma longa história de luta e resistência pelo simples direito de existir.

Emergindo durante o período colonial brasileiro, por volta do século XVI, a capoeira foi uma manifestação criada pelos africanos escravizados como forma de defesa à violência dos senhores de engenho. Na época, eles eram proibidos pelos colonizadores de praticarem qualquer tipo de luta; portanto, enquanto treinavam seus golpes de defesa, acrescentavam música e dança para não levantarem suspeitas.  

A criminalização da prática veio no período de 1890 até meados da década de 1930, com pena de 2 a 3 meses de prisão para quem fosse pego praticando ou liderasse as rodas de capoeira até então. A descriminalização só veio em 1935, por meio de um documento assinado por Getúlio Vargas, presidente da república na época. A partir daquela data, a capoeira deixou de ser um crime, tornando-se inclusive, patrimônio cultural imaterial do Brasil. 

Roda de capoeira com convidados da comunidade capoeirística da região Viçosa – MG, no pavilhão de ginástica PVG-UFV

Lucas Bigardi é engenheiro agrônomo, mestre em Agroecologia e pesquisador em ciência do solo, adepto da cultura popular e capoeirista há quase 15 anos. Conversamos com ele para saber um pouco mais sobre essa atividade, suas experiências com ela e a importância cultural para o país, além do fator de transformação social. Lucas menciona como conheceu a capoeira e começou a se interessar pela arte: 

“Eu comecei na capoeira em 2007, no grupo “Capoeira Alternativa”, uma proposta criada por estudantes da Universidade Federal de Viçosa em 1995 […] O grupo teve em sua fundação a proposta da diversidade, uma escola em que pessoas de diferentes linhagens da capoeira pudessem praticar juntos na universidade, sem seguir uma única filosofia ou único mestre e ao mesmo tempo mantendo suas raízes do grupo de origem. Então foi assim que eu comecei, com o professor Tommy, que também era estudante de graduação. A partir dali eu comecei a praticar e vivenciar a capoeira”. 

Lucas Bigardi

Passando pelo ‘Grupo Capoeira Alternativa’, atualmente Lucas faz parte do grupo “Escola de Capoeira Senzala Viçosa-MG”, onde cresceu ainda mais na prática a partir dos trabalhos e vivências em articulação com outros grupos parceiros. Ele apresenta com suas palavras, algumas definições para o que seria a capoeira: 

“Acho que a capoeira tem essa coisa da dança, do elemento lúdico. Ela essencialmente surge como luta em uma concepção de arte marcial pelo próprio contexto em que ela surgiu, de resistência e luta pela liberdade […] Acho que a gente pode dizer que ela é uma junção de todos esses aspectos: da luta, da dança, da música, da expressão corporal… e acaba até tendo uma conotação mística, por acessar aspectos da ancestralidade…”

Lucas Bigardi

O Brasil é marcado por uma cultura racista enraizada desde o período colonial, onde pessoas negras eram inferiorizadas socialmente, politicamente, intelectualmente e culturalmente enquanto os brancos se sobressaiam em posições de privilégio e poder. Como reflexo disso e das origens negras da capoeira que atualmente tentam ser honradas pelos seus praticantes, negros ou não, toda a comunidade afrodescente viveu e ainda vive há séculos em resistência e luta pelos direitos igualitários e liberdade de expressão perante a sociedade. Nesse contexto, o capoeirista ressalta algumas das dificuldades e preconceitos que a atividade ainda sofre no país:

“Eu percebo que o Brasil sempre viveu e vive um racismo velado. E ainda vejo muito isso de as pessoas verem a capoeira com certa discriminação, o que eu acho que é reflexo de uma imaturidade social e cultural das pessoas, da sociedade em geral… de entenderem que nós somos frutos de uma diversidade, nós precisamos respeitar e valorizar nossa cultura” Vejo inclusive, que no exterior a capoeira muitas vezes é mais valorizada do que no próprio Brasil.”

Lucas Bigardi
Roda de capoeira no DCE-UFV -Divulgação para a comunidade universitária e viçosense

Apesar das dificuldades enfrentadas, da pouca valorização da cultura e baixo fomento de políticas públicas de incentivo, é observado um crescimento de adeptos cada vez mais cedo, sendo uma excelente atividade de desenvolvimento motor, cognitivo e pessoal na educação de crianças. É o que explica melhor Lucas Bigardi: 

“Só da criança ter acesso a essa cultura, aos instrumentos, à musicalidade, aos movimentos… Nós aqui por exemplo, trabalhamos muito por essa perspectiva da brincadeira, acho que a brincadeira é fundamental para o ensino de capoeira para crianças. Trabalhamos também com a contação de histórias, trazendo elementos do folclore e elementos históricos também… sempre de uma maneira lúdica, por meio dessas brincadeiras, história e música […] Uma aula para uma turma de crianças de 2 anos, por exemplo, é diferente da aula para uma turma de 4 anos, pois cada fase dessas crianças tem suas particularidades e precisam ser respeitadas”. Além desse fator motor, tem também os aspectos físicos, emocionais e psicológicos que são desenvolvidos”. 

Lucas Bigardi
Projeto de extensão – capoeira infantil, parceria com o Laboratório de Desenvolvimento Infantil LDI-UFV

Por fim, o capoeirista fala sobre a importância da capoeira para a sua vida e experiência pessoal:

“Para mim, a capoeira é uma alegoria da vida. Uma representação da sociedade, do que a gente vivencia… de como a gente lida com as emoções. Ela se movimenta dentro da gente e faz com que a gente se conheça mais. E além disso, ela é também uma experiência essencialmente humana, não se pratica a Capoeira só, a coletividade é a essência da prática, é como diz a cantiga, ’se quiser andar ligeiro, nessa vida ande só, mas se tu quer chegar longe, acompanhado é bem melhor’, e viva os mestres e mestras que nutrem essa cultura, Iê maior é Deus, pequeno sou eu”.

Lucas Bigardi